O reconhecimento das palavras: o modelo da dupla rota
No processo de ensino da leitura, existem várias teorias. A mais estudada é o modelo da dupla rota, introduzido por Marshall & Newcombe em 1973. Esse modelo distingue dois grandes grupos de operações cognitivas: aquelas envolvidas no reconhecimento das palavras e aquelas envolvidas na compreensão.
Vamos focar no processo de reconhecimento das palavras através do modelo da dupla rota. De acordo com esse modelo, existem duas formas de acessar o léxico: a rota fonológica e a rota lexical. Dessa forma, um déficit em qualquer uma dessas duas rotas pode levar a dificuldades de aprendizagem.
O reconhecimento das palavras: o modelo da dupla rota
Ler uma palavra é uma operação tão automática que parece difícil que isso envolva operações específicas. Assim, temos muita facilidade para ler palavras como “casa” ou “fogo”. Parece algo tão natural quanto ouvi-las ou identificá-las. Nós as lemos globalmente e acessamos o seu significado de forma imediata.
Entretanto, em outras ocasiões, quando nos deparamos com palavras desconhecidas, muito longas ou pouco familiares, o processo de leitura e o acesso ao significado são mais complicados. Além disso, ao ler palavras desconhecidas, podem ocorrer duas situações:
- Se nos deparamos com a palavra “niuyor”, ao lê-la, acessamos primeiramente o som da palavra e, posteriormente, acessamos o seu significado. Percebemos que ela se refere a Nova Iorque (New York, em inglês). Portanto, o reconhecimento e o significado da palavra foi um processo mais lento.
- Se encontrarmos uma palavra desconhecida, como, por exemplo, “Ahumimeitec”, somos capazes de lê-la, e acessamos a sua forma oral. Contudo, não conseguimos acessar o seu significado, uma vez que se trata de uma palavra inventada.
Esses exemplos nos levam a explicar o modelo da dupla rota no reconhecimento das palavras. Assim, esse modelo sustenta que existem duas rotas distintas, embora complementares, para acessar o significado das palavras: a rota lexical e a rota fonológica.
Como funciona a rota lexical no reconhecimento das palavras?
Usamos a forma lexical ao ler “casa” e “fogo”. Lemos essas palavras globalmente sem a necessidade de fazer sua decomposição. Além disso, acessamos o seu significado de forma imediata. Assim, por meio dessa rota, lemos as palavras conhecidas e familiares, ou seja, as palavras que já existem no nosso vocabulário visual e mental.
Portanto, a rota lexical ou direta envolve o reconhecimento imediato da palavra escrita, bem como o acesso ao seu significado. Porém, esse reconhecimento imediato requer memorizar os padrões das letras que distinguem as palavras umas das outras, como resultado de tê-las visto muitas vezes.
Como funciona a rota fonológica no reconhecimento das palavras?
Ao ler as palavras “niuyor” e “Ahumimeitec”, vimos que o processo de leitura foi mais lento, visto que são palavras desconhecidas para nós. Assim, para lê-las, usamos a rota fonológica ou indireta.
Para ler por meio dessa rota, há um processo interno. Em primeiro lugar, dividimos a palavra em fonemas (sons) e depois os unimos para, dessa forma, chegar ao seu significado. Portanto, a rota fonológica consiste em acessar o significado das palavras por meio da conversão grafema-fonema. Ou seja, transformamos os símbolos gráficos que vemos em fonemas (sons) que conhecemos.
Dessa forma, através da rota fonológica, é possível ler todos os tipos de palavras. Palavras que nunca vimos, palavras longas e pseudopalavras. No entanto, essa rota é mais lenta do que a rota lexical, por meio da qual lemos globalmente.
É preciso ter em mente que, se as regras de conversão grafema-fonema não forem conhecidas, haverá a tendência de substituir o som de algumas letras por outras. Por exemplo, se encontrarmos a letra /c/ na palavra ‘cinema’ sem conhecer a regra, será lido /quinema/ em vez de /cinema/.
Essas duas vias, fonológica e lexical, devem ser adquiridas no processo de aprendizagem da leitura. E, além disso, devem ser perfeitamente dominadas para que uma pessoa se torne uma boa leitora, pois, quando lemos, ambas são ativadas ao mesmo tempo: a lexical para as palavras conhecidas e a fonológica ou indireta para as palavras desconhecidas.
Assim, se não houver o domínio adequado de qualquer uma das duas, a criança terá dificuldades no reconhecimento da palavra e, como consequência, na leitura e na compreensão.
Dificuldades no reconhecimento das palavras
Conforme já dissemos, para que a criança se torne uma boa leitora, é essencial que ela domine corretamente as duas rotas de reconhecimento das palavras.
Há crianças que têm dificuldade para operar com as duas rotas e outras que só têm problemas com uma delas. No caso de haver dificuldades para operar a rota fonológica, estaríamos falando de dislexia fonológica. E, se a dificuldade estiver na rota lexical, estaremos falando de dislexia de superfície.
Assim, uma criança com dislexia fonológica será capaz de ler palavras familiares através da rota lexical, mas terá dificuldade para ler palavras longas e desconhecidas. Ela vai cometer muitos erros de omissão, adição, inversão e substituição, pois tem dificuldades no processo de conversão grafema-fonema.
A criança com dislexia de superfície terá dificuldade para ler palavras irregulares. Como consequência, ela vai ler fazendo repetições, correções e separações silábicas. Além disso, será mais lenta na leitura. No entanto, não apresentará dificuldades na conversão grafema-morfema de palavras regulares.
Para se ter em mente quanto ao reconhecimento da palavra escrita: o modelo da dupla rota
Assim, como podemos ver, existem duas rotas diferentes, embora complementares, para acessar o significado das palavras: a rota lexical e a rota fonológica. É importante que, durante o processo de aprendizagem da leitura, a criança adquira e domine ambas as rotas de leitura. Isso vai torná-la uma leitora competente.
Se a criança tiver dificuldades com qualquer uma das duas rotas, ela terá que ser ajudada, caso contrário terá dificuldades tanto para ler quanto para compreender os textos.
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